Resumo da Metafísica de Suárez nas Disputações Metafísicas [PARTE 1]

Carlos Alberto
5 min readMar 3, 2021
“A doutrina de Suárez admite uma abstração precisiva no conceito de ente, sem admitir a determinação por não entes como a primeira, e sem introduzir diferenças como tais — no conceito de ente, como a segunda; mas incluindo as diferenças apenas em termos de seu conceito entitativo na unidade do ente.” — Amor Ruibal (em Los problemas fundamentales de la Filosofía e del Dogma, Tom. IX, sect. III, Cap. V, art. V).

(1) Tanto para Caetano como para Soto, que pensam que o ente transcendental que se divide nos dez predicamentos é o ente como particípio, como também o Ferrariense, que afirma que é significado pelo ente “ut nomen”, a noção de ente significa principalmente o “id quod habet esse”. O ente como nome, mesmo para Ferrara e Capréolo, não só não dispensa o ser atualmente existente, por isso é também adequado ao ente em ato, mas que, apesar de significar direta e formalmente a essência, também significa, embora secundariamente, o “esse” porque conota a própria essência como participante do ser.

Para Suárez, de maneira oposta, o ente que contempla a metafísica como objeto, que é dividido nas categorias do ente predicamental, ao mesmo tempo que pode ser predicado com analogia de atribuição intrínseca do ente “a se” e “ab alio” é significado antes pelo termo em seu sentido nominal; mas entendendo seu conteúdo significativo como referindo-se à essência real como certa aptidão para existir, a existência atual, sem ser negada ou afirmada, é prescindida em sua consideração formal. Assim, diferente dos comentadores de St. Tomás, para Suárez o ente como nome por contar explicitamente tão só a aptidão para existir, sua razão significativa prescinde dos entes existentes e se estende, em razão disso, a toda essência física ou real; embora tal esteja em mera potência objetiva em relação ao ente.

(2) Admite uma univocidade lógica ou formal em ordem ao conceito objetivo de ente; nas diferentes relações “ad inferiora” do ente defende uma verdadeira analogia metafísica contra Escoto, que é a analogia de atribuição intrínseca; contra Caetano, rechaça absolutamente sua analogia de proporcionalidade própria, a reduzindo apenas em sentido extrínseco e não fundante (hipotrofia da unidade de proporção).

(3) Para Suárez, contra o que dizem os tomistas em geral, o ser não é realmente distinto da essência; distinguindo-se dela somente com distinção de razão raciocinada (ou virtual). Em razão disso, segundo ele, a composição entre essência e ser não é real, senão que acontece somente em ordem lógica.

(4) Suárez toma o “esse existentiae” como intercambiável direto da noção de “actus essendi”; é a mescla da função fática (no sentido aristotélico de “estar fora da potência subjetiva de suas causas”) do ser, i. e., seu caráter existencial, com a função transcendental do mesmo como ato da essência.

(5) Suárez rejeita uma grande porção dos princípios tomistas que partem do ato e da potência; v. g., rejeita explicitamente a doutrina da limitação do ato pela potência (segundo axioma de Goudin no “Philosophia Thomistica”; segunda tese das XXIV teses do jesuíta Mattiussi) e, em sentido oposto, assume que a limitação do ato dá-se pela própria constituição intrínseca (ou natureza do mesmo) ou pelo agente que o produz; Suárez também obscurece a distinção real entre o ato e a potência, na medida em que concebe a potência subjetiva como um ato imperfeito e não como mera capacidade perfectiva.

Daí que muitos tomistas, como Manser e Cornélio Fabro (que ironizava o epíteto do doutor jesuíta, o chamando de Exímio eclético), atribuíam a Suárez certa ignorância sobre a reta compreensão do que seja uma composição real de ato e potência. Descoqs, um jesuíta que polemizou com Fabro, costumava dizer que os tomistas atuais, em razão das XXIV teses, é que jamais entenderam Tomás fora das fronteiras estabelecidas por Caetano e Poinsot.

(6) Por sua noção peculiar dos binômios de potência e ato, segundo Suárez, a matéria-prima não é pura potência (como argumentam os tomistas com Caetano), mas é constituída por um ato entitativo imperfeito por onde está fora do nada; outra vez, há uma ampla influência do pensamento de Escoto, que também assume um ato físico incompleto que confere para matéria-prima uma existência própria, ainda que distinta do ato da forma substancial (que compõe o “tertium quid”, a terceira coisa).

(7) Na querela do princípio de individuação, critica as soluções propostas por Caetano e João Capréolo: contra eles instancia o princípio de individuação na entidade total de cada um dos entes ou na unidade transcendental dos mesmos (que perfaz a entidade total de cada ente, sendo a forma o individuante principal).

— Bônus:

(8) Nos comentários ao “De Anima”, contra o modelo de conversão dos fantasmas dos tomistas e o conhecimento unicamente mediato dos singulares-sensíveis-concretos, admite Suárez uma intuição direta por parte da inteligência onde captaríamos o ser das coisas “in quantum praesens” (enquanto presentes). É uma tese netamente intuicionista: o verbo mental não é mais a espécie (realmente distinta da faculdade) a partir do qual o intelecto se dirige mediata e intencionalmente para o objeto percebido. A notícia física, segundo o jesuíta, é imediata porque a espécie expressa e o conceito é o mesmo ato cognoscitivo com que se põe em comunicação direta com o objeto captado; por consequência, não há mais necessidade de supor alguma mediação do verbo mental.

É uma doutrina diretamente afirmada contra o “abstratismo” de Caetano e Capréolo.

(9) No opúsculo “De scientia dei futorurum contingentium”, Suárez critica a solução proposta por Luís de Molina, seu companheiro de ordem, da supercompreensão da vontade das causas secundárias como “meio pelo qual” de conhecimento dos futuros contingentes e futuríveis na ciência mista; contra a solução bañeziana, coloca os futuríveis e futuros contingentes na verdade objetiva formal dada pela irredutibilidade das proposições contraditórias à vista do princípio de contradição, que são conhecidas por Deus sem meios adequados indiretos que não sua mesma essência (infinitamente inteligível, capaz de representar toda verdade na ordem da intenção).

(10) Contra o que ensinou Santo Tomás na q. 3, art. 7 (ad. 3) do “De potentia Dei”, Suárez assume apenas um concurso simultâneo (que se divide em “oblatus” e “collatus”) para as operações das causas secundárias; para ele o premocionismo bañeziano é débil por tornar Deus o autor do pecado.

(11) Nas polêmicas De auxiliis, que envolviam questões acerca da divina providência, predestinação e graça, Suárez manteve uma postura bem próxima ao tomismo-agostiniano dos teólogos “del siglo de oro” (que eram majoritários em Salamanca).

Admitia uma reprovação antecedente (mesmo concedendo a ciência média) na providência especial e uma predestinação “ante praevisa merita” (antes da previsão dos méritos, assim como Bañez e os dominicanos); embora argumentasse favoravelmente para eficácia unicamente “ab extrínseca” das graças suficientes.

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